terça-feira, 29 de abril de 2025

COM QUE ROUPA?


"Meu terno já virou estopa

E eu nem sei mais com que roupa;

Com que roupa eu vou

Pro samba que você me convidou?"


Versos de uma das mais famosas composições do grande Noel Rosa, o Poeta da Vila (Isabel), bairro bem juntinho ali do Maracanã. Noel era torcedor do Flamengo mas citou o Vasco em duas canções. Morto precocemente em 1937, vítima de tuberculose, antes de completar 27 anos, deixou um legado impressionante na música brasileira. Imagine se tivesse vivido mais!

E a sua "Com que Roupa?" intitula e inspira este artigo, inclusive para lembrar os 88 anos de sua passagem no próximo dia 4 de maio!

No último LÁ SE VAI O MANTO (clique para relembrar), falei sobre o Azul no uniforme 2 da seleção brasileira e a intenção da CBF em não usar nele outra cor da bandeira. Pois no dia seguinte, chegou a informação de que as cores serão o vermelho e o preto! Não ria! Nem se desespere! Ainda falta confirmação mas...

O Brasil já jogou de vermelho duas vezes. Na Copa América de 1917, no Chile, houve um sorteio para diferenciar os uniformes brancos dos anfitriões, do Brasil e da Argentina. E na mesma competição, em 1936, na Argentina, novo sorteio indicou a camisa do Independiente de Avellaneda para um jogo contra o Peru. Já em 2023, amistoso contra a Guiné e o Brasil utilizou uniforme todo preto como protesto contra o racismo.

Ou seja, o uso do vermelho foi involuntário em ambas as oportunidades. E o preto teve um motivo óbvio, uma única vez.

Se você é mais atento, sabe que algumas seleções de futebol pelo mundo afora utilizam uniformes cujas cores não estão presentes em suas bandeiras. Agora, você vai saber o motivo pelo qual isso ocorre.

Não há branco na bandeira da Alemanha mas havia na da Prússia (Borussia, em alemão), cujo reino foi responsável pela unificação do país na segunda metade do século XIX e principal mantenedor do império recém formado. O mesmo vale para a Itália. O azul, que não existe na bandeira, vem da Casa de Savóia, dinastia do Reino do Piemonte (onde está a cidade de Turim), que também unificou o país na mesma época da Alemanha!


Piemonte

O laranja dos Países Baixos (onde fica a Holanda) vem da casa imperial Orange-Nassau. Todo dia do Rei ou da Rainha, o país se veste de laranja numa grande festa a céu aberto, apesar da bandeira não possuir esta cor!

Ainda pela Europa, a Eslovênia que ressurgiu da divisão da Iugoslávia, também não usa as cores da bandeira no uniforme da seleção de futebol mas o verde que vem da Tília, árvore símbolo do país que representa a liberdade, a quem guerreiros antigos e medievais creditavam poderes mágicos em seus frutos e flores!

A Argentina não tem o preto na bandeira mas sempre utilizou calções desta cor e, por várias vezes, detalhes na camisa, como gola, acabamento da manga e número. O escudo já teve as letras AFA (Associação de Futebol Argentino) escrito em preto, em cinza ou azul escuro. Pelas décadas de 1940 a 1960, utilizaram meiões cinza por várias vezes, inclusive nas Copas de 1958, 66 e 74. E na Copa 78, jogaram com meiões pretos contra Brasil e Peru.

Já o Uruguai começou com uma camisa azul mas que tinha uma larga faixa diagonal vermelha, cor que também não está na bandeira mas na do General Artigas, herói nacional de guerra. Usaram durante a primeira década do século XX. Quando perderam um jogo amistoso para a Argentina, abandonaram a ideia. Deu azar! Até que em 1910, Ricardo Blés, dirigente do clube Montevideo Wanderers, sugeriu que o segundo uniforme do extinto clube amador da cidade, o River Plate FC, fosse adotado pela seleção: camisa azul celeste, calção e meião pretos, prontamente aprovado pelo presidente da AUF (Associação Uruguaia de Futebol) da época, Héctor Gomez. Durante os anos 1990 e 2000, o Uruguai voltou a usar o vermelho como uniforme 2, relembrando Artigas. Coincidência ou não, o pior momento do futebol uruguaio na história!

Por que o Japão, a terra do sol nascente, adotou o azul para a sua seleção? Aqui não há um motivo claro mas algumas teorias, conforme um jornal local. A primeira diz que não queriam a mesma cor que coreanos e chineses, inimigos históricos. Outra faz referência às cores da Universidade Imperial de Tóquio, de onde saíram os jogadores da primeira seleção formada em 1930 e ainda há uma terceira que liga o uniforme ao azul das águas que rodeiam o arquipélago que forma o país! Escolha a sua!

A Austrália tem na bandeira uma clara referência ao Reino Unido, de onde veio sua colonização. Já no final do século XIX, o cricket foi o primeiro esporte a formar uma seleção nacional e os dirigentes decidiram que o uniforme teria que se diferenciar da antiga metrópole de qualquer maneira. Veio ideia semelhante a da Eslovênia: árvore nativa, a Acácia Dourada! Assim, todos os esportes passaram a adotar o verde e o amarelo como suas cores oficiais!


Tem mais Oceania! Nova Zelândia, cuja bandeira é quase igual à vizinha Austrália. A diferença está tão somente na cor e na quantidade das estrelas. Há muita discussão hoje em dia para que a mudem totalmente. A despeito disso, o esporte mais popular do país é o Rugby e sua seleção é uma das mais fortes do mundo, tricampeã mundial, conhecida popularmente como os "All Blacks", ou seja, todos pretos. Decidiu-se assim para não haver confusão com os nativos maoris, cor neutra, e que pudesse unir todo o país. Aliás, relembre os "All Blacks" aqui: A LIÇÃO MAORI DOS TODOS NEGROS! O futebol começou a despontar, ainda semiamador, no início dos anos 1980, quando se classificaram para sua primeira Copa do Mundo em 1982 e caíram no grupo do Brasil. Perderam por 4x0 e se apresentaram com um uniforme exatamente ao contrário da seleção de Rugby, mas pelo mesmo motivo da neutralidade. Como será essa nova bandeira neozelandesa?


Agora, ajude-me a entender, mesmo, o que a CBF e a Nike esperam para quebrar uma tradição de 111 anos. Só dinheiro? Ou algo a mais?

Qual terá sido a roupa que Noel foi ao samba?

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