quinta-feira, 15 de maio de 2014

HUNGRIA 1954 - O MILAGRE DE BERNA

DOMI 07
Em pé: LORANT, BUZANSKY, HIDEGKUTI, KOCSIS, ZAKARIAS, CZIBOR, BOSZIK e BUDAI. Agachados: LANTOS, PUSKAS e GROSICS.
Nos idos de 1950, a Hungria comunista precisava de uma propaganda esportiva, a exemplo do que já havia na União Soviética, sobretudo com o planejamento desta para se tornar uma superpotência olímpica. Como não havia recurso humano suficiente para tal entre os magiares, o foco passou a ser o esporte mais popular do país: o futebol. Havia um time pequeno, destes de subúrbio, em Budapeste, chamado Kipesti, onde já se destacavam um jovem Puskas (com 23 anos), Boszik e um técnico inovador, Bella Gutman. Os comunistas húngaros viram ali um futuro promissor, ainda mais quando ganharam o campeonato nacional de 1951. Havia a possibilidade de contratar o trio para jogar no Ferencvaros, o mais popular do país mas seria óbvio demais. Então, resolveram copiar os soviéticos, criando um time do exército húngaro. A URSS tinha o CSKA. A Hungria, agora, tinha o Honved, instrumento oficial de propaganda. A adesão popular foi rápida e outros jovens e excelentes jogadores foram, ao pé da letra, recrutados: Hidegkuti, Kocsis, Lantos, Toth, Czibor e o goleiro Grosics.
Campeões Olímpicos em Helsinque - 1952
Já nas Olimpíadas de 1952, em Helsinque, Finlândia, a Hungria conquistou a medalha de ouro com 5 vitórias em 5 jogos. Como seu time era "amador", teve dificuldades somente contra os outros "amadores" do leste europeu: Romênia (2x1) e a Iugoslávia do craque Mitic, a quem bateu na final por 1x0. "Chocolate" na Itália (3x0) e massacres na Turquia (7x1) e Suécia (6x0). 20 gols em 5 jogos. A fama começava.

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Puskas e Matthews puxam a fila em Wembley
No ano seguinte, nova façanha. Pela primeira vez, o English Team, de Stanley Matthews, era batido em Wembley por uma seleção do continente europeu (somente a Escócia, da ilha, havia conseguido). Puskas e companhia não tiveram piedade dos súditos ingleses: 6x3! E um mês antes da Copa, no ano seguinte, teve revanche em Budapeste. E aí, piorou: 7x1 para Hungria! E o rótulo de melhores do mundo estava definitivamente colado na testa de cada um dos magiares.

Copa do Mundo de 1954, na Suíça! Favorito? Hungria! Pule de dez, como se diz no turfe! Para este ano, o regulamento era esdrúxulo, apesar das 16 seleções terem confirmado presença, ao contrário do que ocorreu no Brasil, quatro anos antes. As quatro equipes de cada grupo jogariam apenas 2 e não 3 jogos para definir os 2 classificados às quartas-de-final! Se houvesse empate em pontos ganhos, haveria prorrogação ou jogo-extra para decisão! Detalhe curioso: após vencer o México por 5x0 na estreia, o Brasil empatava com a Iugoslávia em 1x1, na segunda rodada, e buscava o gol da vitória a todo custo. Só que os iugoslavos já haviam vencido a França na primeira rodada (1x0) e o empate classificava a ambos. A comissão técnica iugoslava foi até o banco brasileiro para "pegar leve". O empate, então, foi mantido e ambos se classificaram, uma vez que não haveria a 3a. rodada! E quando o jogo terminou, os jogadores brasileiros choravam pois achavam que estavam eliminados! Surreal! Que presidentes de federações estaduais no Brasil não leiam este parágrafo...

A Hungria estava na companhia de Alemanha Oc., Turquia e Coreia. Na estreia, o primeiro massacre: 9x0 na Coreia. Os alemães bateram os turcos por 4x1. A segunda rodada era Hungria x Alemanha. O que fez o técnico alemão Sepp Herberger? Botou o time reserva em campo. Sabia que vencer este jogo não era fundamental pois, perdendo, faria novo jogo com turcos ou coreanos, muito mais fracos, para avançar às quartas. E ainda abusou de malícia e, porque não dizer, maldade. Colocou um dos reservas para marcar Puskas com violência. Os húngaros enfiaram 8x3 mas perderam Puskas, contundido, talvez para o resto da Copa. E a Alemanha, de novo com o time titular, passou fácil novamente pela Turquia (7x2) e se classificou.
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8x3 nos reservas alemães. Ilusão!
Nas quartas-de-final, sem Puskas, a Hungria venceu o Brasil por 4x2 em um dos mais alucinantes jogos daquela Copa. Tínhamos um time de jogadores de grande técnica e o jogo foi de muito equilíbrio, apesar do placar. Castilho no gol, Djalma Santos, Pinheiro, Nilton Santos, Bauer, Didi, Brandãozinho, Julinho Botelho, Rodrigues. Nosso time era muito bom! Mas no meio do segundo tempo, quando o placar era 3x2, e o Brasil muito próximo de empatar, após 2 bolas na trave de Grosics, Nilton Santos e Boszik trocaram socos e foram expulsos. O Brasil murchou, os húngaros fizeram o quarto, e logo depois, Humberto chutou Lorant e também foi expulso. Ao fim do jogo, Puskas, das cadeiras, puxou briga com Pinheiro, que saía para os vestiários, e partiu pra cima do craque lesionado, dando início à maior briga da história das copas. Mais de 30 brasileiros e húngaros se engalfinharam no gramado e o jogo ficou conhecido como "A Batalha de Berna", cidade onde foi disputado.
Nilton Santos e Boszik expulsos
Bauer e Pinheiro na capa da Paris Match
Os dois, de novo, na "Luta"!
Nas semifinais, o atual campeão do mundo: Uruguai, que estava praticamente com o mesmo time de 50 mas sem Obdúlio Varela, contundido! Mesmo assim, osso duro de roer! A Hungria abriu 2x0 antes dos dez minutos iniciais mas ainda sentia a ausência de Puskas. Na base da tradicional valentia, o Uruguai conseguiu a proeza de empatar no último minuto e forçar a prorrogação. Aí, Kocsis (artilheiro da Copa com 11 gols) fez 2 e decretou a vitória por 4x2. Mais um detalhe: após 3 participações, foi a primeira derrota que o Uruguai sofreu em Copas do Mundo.
Máspoli vê a bola entrar no último gol de Kocsis
Para a final, um velho conhecido: Alemanha Oc. A Hungria chegava a este jogo invicta há 32 partidas, com 28 vitórias, nos últimos 3 anos e 148 gols marcados, números imbatíveis até hoje. Na Copa, foram 25 gols em 5 jogos! Puskas estava de volta, ainda sem estar 100%. E os alemães, agora com o time titular. Em Berna, chuva fina e ininterrupta. Os húngaros, bem desgastados após 2 duelos duríssimos com sulamericanos. E novamente, com menos de 10 minutos de jogo, já estava 2x0 para a Hungria, um deles de Puskas. Era questão de tempo para confirmar o título. Não havia dúvida no estádio. A glória final da propaganda comunista no esporte mais popular do mundo!
Fritz Walter e Ferenc Puskas. A Final.
A exemplo do Brasil em 1950, muito se discute sobre as razões que levaram a Alemanha a virar o jogo e conquistar sua primeira copa. Fritz Walter, o capitão, foi o "Obdúlio Varela" da Hungria, ameaçando e coagindo os adversários, com xingamentos e faltas imperceptíveis ao árbitro Ling, da Inglaterra. Walter já tinha 34 anos e foi paraquedista do exército nazista. Já havia parado de jogar após a Guerra e Herberger o convenceu a voltar junto com seu irmão, o atacante Ottmar que, junto com Helmut Rahn, venceu os cansados zagueiros húngaros para fazer os gols da virada improvável. Outros fofoqueiros afirmam que os alemães contrataram damas da vida fácil para celebrar o título na noite anterior à final no hotel dos húngaros! Os comentaristas, mais catedráticos, afirmam que Herberger deu aquele ainda não tão famoso "nó tático" em Sebes (*), com marcação cerrada e saída rápida para o ataque!! A repercussão tem sido tão grande que até filme os alemães fizeram. Confira:


Com perdão do trocadilho, a magia dos magiares estava quebrada e pela segunda vez consecutiva, o melhor time não soube ganhar uma Copa do Mundo. Com a invasão soviética na Hungria em 1956, todos os jogadores receberam asilo político na Espanha. Kocsis foi jogar no Barcelona e Puskas formou o maior Real Madrid da história com Di Stéfano, Gento, Del Bosque e o brasileiro Canário, pentacampeões da Champions League (1956/60). Se naturalizou espanhol, defendendo a nova seleção na Copa de 62 no Chile e estava em campo, quando, de certa maneira, nos vingamos da "Batalha de Berna", vencendo a Espanha com as pernas tortas do Mané, a cabeça do "Possesso" Amarildo e a genialidade de Nilton Santos; esse, mais vingado que qualquer outro!

Morto em 2006, aos 79 anos, além de dar nome ao estádio de Budapeste, Puskas batizou o prêmio que a FIFA entrega ao jogador que marca o gol mais bonito de cada ano em todo o mundo. Uma justa homenagem àquele que fez 85 gols em 86 jogos pela Seleção da Hungria e cuja trajetória o Futebol não pode nunca deixar de contar!




(*) Gusztav Sebes, técnico da Hungria.

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