quinta-feira, 29 de maio de 2014

HOLANDA 1974: O CARROSSEL

Em pé: Jongbloed, Rijsbergen, Haan, Neeskens, Krol e Suurbier. Agachados: Rep, Cruyff, Resenbrink, Janssen e Van Hanegen.
A estes, poder-se-ia, ainda, acrescentar os irmãos gêmeos René e Willy Van der Kerkhof, todos treinados pelo lendário Rinus Michels. As posições da foto têm pouco a ver como o time jogava, embora, na prática, fosse isso mesmo que você está pensando, ou seja, poucos jogadores guardavam posição; qualquer um poderia estar em qualquer lugar, até o tresloucado Jongbloed, que tinha um tique nervoso muito esquisito de piscar um olho e dar um giro na cabeça. Muito louco!

O grande diretor de cinema Stanley Kubrick havia lançado alguns anos antes, um de seus mais famosos filmes: "Laranja Mecânica"! Muitos jornalistas colocaram este apelido na seleção da Holanda que disputaria a Copa do Mundo em 1974, na Alemanha, pois, segundo eles, a equipe era uma máquina com peças muito bem montadas e engrenadas, atacando e defendendo com todos os jogadores. Outros, como eu, preferiram o termo "Carrossel", pois todos os jogadores "giravam" por todo o campo. O volante virava meia direita, que por sua vez, virava ponta de lança, chegando no ataque. O atacante virava meia esquerda, que virava volante junto com o ponta de lança! E a linha do impedimento?! Uma Revolução!

A loucura começou na UEFA Champions League de 1971. O Ajax de Amsterdam tinha um jovem esguio, de passadas largas e elegantes, ambidestro, domínio de bola perfeito, passes curtos ou longos, artilheiro, líder e capitão do time: Johan Cruyff (Em joelsantanês: iórran cróifi) ! Nunca um time holandês havia vencido a competição mais importante de clubes da Europa e não satisfeitos em ganhar neste ano, foram tricampeões em 72 e 73, consecutivamente, fato até hoje ainda não alcançado por nenhum clube (exceto pelo penta inicial do Real Madrid - 56/60). E para complementar, a seleção da Holanda arrasou Bélgica, Noruega e Islândia nas eliminatórias para a Copa, com 4 vitórias e 2 empates, com impressionantes 24 gols marcados e apenas 2 sofridos. Chegavam à Alemanha, estreantes mas, sobretudo, favoritíssimos! Um timaço!

O "Novo Cinema"
A Copa de 1974 foi especial para este blogueiro! Com 7 anos completados durante o torneio, foi a primeira a que assisti. Seria somente a segunda transmitida pela TV mas a primeira a cores! Meu pai - e outros tantos - comprou aquela primeira TV Philips que ligava em um botão quadradinho e não mais em seletor redondo! 26 polegadas! Um monstro! Tivemos que mudar o sofá de posição na sala! Lembro que o técnico passou uma tarde inteira lá em casa instalando o "novo cinema" na nova antena coletiva do prédio, especialmente comprada para as novas televisões dos moradores! Um show de tecnologia! Fiz o álbum de figurinhas (faltaram o Rivelino e o Paulo Cézar no Brasil), aprendi a jogar "bafo-bafo" na escola e a trocar as repetidas. Quando meu pai chamava algum amigo para assistir aos jogos lá em casa, era comum pedir para que eu "escalasse" alguns jogadores de algumas seleções! Tinha o Petrovic da Iugoslávia, o Hellstrom da Suécia, o Szarmach da Polônia, o Schwarzenbeck da Alemanha Ocidental  e o Sparwasser da Oriental! Grandes lembranças!

"Treino" contra o Uruguai
Voltando à Holanda! Caíram em um grupo com a perigosa Suécia, a incógnita Bulgária e um campeão do mundo, adversário da estreia, semifinalista de 70: o Uruguai de Pedro Rocha (do São Paulo) e do goleiro Mazurkiewicz (do Atlético-MG) que buscou a bola na rede duas vezes em gols de Rep. Foi como se os sulamericanos não tivessem jogado. Um treino. A Suécia tinha um time daqueles encardidos e um bom atacante, Edström, e conseguiu segurar a Laranja: 0x0. E a classificação acabou definida com goleada nos fracos búlgaros: 4x1, 2 de Neeskens, Rep e o reserva De Jong. E Cruyff ainda nem havia marcado.

Drible de calcanhar no sueco!
Para este ano, o sistema de disputa havia sido alterado. Os 8 classificados nos 4 grupos não mais se enfrentariam em jogos eliminatórios de quartas e semifinais para definir os finalistas. Dois novos grupos de 4 seleções seriam criados e apenas o vencedor de cada faria a final. Os segundos colocados disputariam o 3o.lugar. Este sistema ainda valeria para a Argentina 78. Ou seja, o campeão, agora, jogaria 7 partidas e não mais 6.

Esperta foi a Alemanha Oc. Sabia que se vencesse, ou mesmo empatasse com sua co-irmã Oriental na última rodada de seu grupo, iria para um grupo complicadíssimo. Com um time bem inferior, Sparwasser (olha ele aí de novo!) definiu a partida! Festa comunista em Hamburgo! Festa capitalista na Copa. Foi bem mais tranquilo ficar com Suécia, Iugoslávia e Polônia do que com Argentina, Brasil e ... Holanda! Ainda não era o momento...

Depois de ficar de fora do México em 1970, a Argentina estava muito disposta a ser campeã e repetir o feito quatro anos depois quando sediaria a Copa. O bom goleiro Carnevale, o volante Perfumo (do Cruzeiro), o talentoso meia Brindisi, os atacantes Houseman, Babington e um jovem Mario Kempes formavam um time de respeito que havia eliminado a Itália, no saldo de gols, na fase inicial. Só que Cruyff começou a marcar. Com 2 do capitão, um de Rep e outro de Krol, a Holanda atropelou os atônitos argentinos. A brincadeira continuou com a Alemanha Or. Neeskens e Resenbrink fizeram os gols do "coletivo apronto" para aquele que seria o grande jogo da Copa do Mundo de 1974: Holanda x Brasil.
Saída em bloco para o ataque!

Carnevale no chão: 4x0
Para Zagalo, eram os holandeses quem deveriam se preocupar com o tricampeão mundial e não o contrário. Quem era a Holanda no futebol mundial? Ninguém! O que haviam conquistado? Nada! A eloquência ufanista e desta vez, impertinente e arrogante do técnico brasileiro não teve qualquer repercussão entre os colegas de Cruyff. Eles sabiam que até ali, o Brasil fizera uma fase inicial ruim, precisando de um "frangaço" do goleiro do Zaire, em chute sem ângulo de Waldomiro, para se classificar, no saldo de gols, após empates medíocres, sem gols, contra Iugoslávia e Escócia. E nesta fase, vitória magra de 1x0 sobre a Alemanha Or, gol de falta de Rivelino (após Jairzinho se abaixar no meio da barreira e a bola passar por ali) e uma vitória suada sobre a Argentina por 2x1. O empate dava a vaga na Final para a Holanda.

Dortmund fica bem próxima da fronteira Alemanha-Holanda e o Westfalenstadion estava pintado de laranja. As bandeiras verde-amarelas eram esporádicas. No primeiro tempo, o Brasil jogou razoavelmente bem. Paulo Cézar e Jairzinho perderam gols feitos que poderiam ter mudado a história da Copa, apesar de Leão ter feito uma defesa sensacional, à "queima-roupa", em chute de Cruyff. Era um Brasil diferente: competitivo, comandado por Rivelino, com grande atuação. Mas era evidente a diferença de preparo físico, tático e técnico a favor dos holandeses. E os cartões amarelos para Zé Maria e Marinho Peres demonstravam a incapacidade brasileira em pará-los na bola!  E no segundo tempo, logo aos 5 minutos, Neeskens escorou com maestria um cruzamento de Cruyff. A Holanda tomou conta do jogo. E aos 20, foi vez do próprio Cruyff escorar na frente de Leão: 2x0. Aí, o descontrole do Brasil foi latente. Rivelino trocou socos com Rep, Waldomiro com Janssen, até que Luis Pereira foi expulso após entrada violentíssima em Neeskens e saiu transtornado, fazendo aquele gesto de "roubo", sem nenhum sentido. A Holanda estava na final. A "Batalha de Dortmund" foi vencida pelo melhor time, que se preocupou em jogar futebol durante 90 minutos.

Neeskens fez o primeiro. Rep comemora. Leão e Marinho Chagas, batidos.
Cruyff faz o segundo. Quem era a Holanda, Zagalo?
Um time que tinha o goleiro Maier, Vogts, Breitner, Bonhof, Overath, Gerd Müller, Hoeness, Holzenbein, Grabowski não podia ser considerado fraco. Adicione-se o capitão, o kaiser: Franz Beckenbauer! Definitivamente, um time muito forte. Mas com o pontapé inicial dado pela Holanda, por exatos 2 minutos, a bola passou de pé em pé pelo "carrossel", sem que qualquer alemão tocasse nela e somente Hoeness conseguiu parar Cruyff, fazendo falta, só que dentro da área: pênalty! Neeskens fez 1x0 aos 3 minutos e o Estádio Olímpico de Munique se preparava para contemplar a festa laranja!

Hoeness acaba com os dois minutos da Holanda e derruba Cruyff! Pênalty!

Os dois maiores de 1974: Cruyff e Beckanbauer!
A Hungria de Puskas já havia provado da determinação da Alemanha e os espíritos de Fritz Walter e Helmut Rahn baixaram em Beckenbauer e cia. Quando o primeiro tempo terminou, os alemães já haviam virado o jogo, com Breitner também de pênalty e o artilheiro Gerd Müller. O segundo tempo mostrou ao arrogante e ultrapassado Zagalo que o futebol deixara de ser romântico: marcação não era sinônimo de violência, contra-ataques não deveriam ser desperdiçados e o preparo físico era aliado da técnica. Os comandados de Helmut Schöen anularam todas as tentativas holandesas e 20 anos depois, a Alemanha conquistava sua segunda Copa!

Ao contrário do Brasil de 50 e da Hungria de 54, a Holanda não era muito superior à seleção que acabou campeã mas apresentou ao mundo do futebol uma nova forma de jogar! Inovação mesmo, até no seu principal jogador. Dentro de campo, participativo, sem posição fixa. Fora dele, com as empresas de material esportivo começando a entrar de vez no negócio do futebol, Cruyff foi o único jogador da Holanda que não estampava a marca Adidas na sua camisa, cujas mangas só possuíam duas listras, ao invés das três tradicionais, presentes em todos os outros jogadores. "Não farei propaganda gratuita!"

Cruyff ainda jogaria na Euro 76 mas já sem muita motivação. Apesar de ainda estar em atividade, recusou disputar a Copa 78, quando os holandeses repetiram o vice. Além de ter sido um craque excepcional, seguiu inovando no futebol, em especial, no Barcelona, onde jogou, foi técnico e hoje é conselheiro vitalício. Seu livro "A Filosofia Cruyff" vem sendo demonstrado pelo time catalão e pela seleção da Espanha nos últimos 5 anos...
A "Filosofia Cruyff", aos 67 anos!

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