segunda-feira, 9 de junho de 2014

BRASIL 1982: A TRAGÉDIA DO SARRIÁ - FINAL

Minha Rua Miguel Lemos, em Copacabana, Junho de 1982




"Voa Canarinho Voa, mostra pra esse povo que és o rei, voa canarinho voa, mostra na Espanha o que eu já sei, mas voa...""Voa Canarinho Voa" - Júnior
"Dá-lhe dá-lhe dá-lhe bola, meu canarinho vai deixar a gaiola, vai pra Espanha de mala e viola, vai dar olé à espanhola e rola e rola e rola e rola essa bola...""Meu Canarinho" - Luiz Ayrão"O Rei aqui é Pelé, na terra do futebol, olé é bola no pé, redonda assim como o sol, seja no Maracanã ou no gramado espanhol..." Clique para ouvir tudo: "Sangue, Swing e Cintura" - Moraes Moreira

Esse era o clima para a Copa do Mundo de 1982, na Espanha! A certeza arrogante da vitória de 1950 foi substituída pela confiança eufórica! Já seriam 12 anos sem celebrar uma Copa! Para quem vai sediar uma Copa daqui a 3 dias, muita ou pouca diferença???

Antes da Copa em junho, foram 6 amistosos: 3x1 Alemanha Or. (Fortaleza), 1x1 Tchecoslováquia (Morumbi), 3x1 Portugal (São Luis), 1x1 Suíça (Recife), 7x0 Irlanda (inauguração do Parque do Sabiá, em Uberlândia) e o mais emblemático de todos, 1x0 Alemanha Oc, no Maracanã, em março. Este jogo marcou a estreia de Careca e por motivos de contusão de Cerezzo , Batista e Sócrates, 5 jogadores do Flamengo foram escalados como titulares: Leandro, Júnior, Vitor, Adilio e Zico. E gol do Brasil saiu de um passe genial de Adilio para Junior mandar de primeira. Também foi a estreia de Lothar Matthäus na Alemanha. Jogou de volante e, ao contrário de Briegel em Sttutgart, marcou Zico com lealdade. 150 mil torcedores estiveram no Maracanã e a confiança só crescia. Confira com a narração do "cruel, muito cruel" Januário de Oliveira!


Os 22 foram convocados. Careca se machucou no jogo contra a Irlanda. Cortado. Serginho seria o titular. Roberto Dinamite, o reserva. Falcão se apresentou após 2 anos de sucesso na Roma e, inesperadamente, Telê convocou Dirceu, que estava com 32 anos, jogava no Atlético de Madrid e meio "sumidão". A torcida do Flamengo, como o meu amigo do Santo Inácio, o então adolescente Gilberto Fraga, hoje um dos maiores e melhores advogados deste país, ficou uma fera! Andrade e Adilio, de fora. Nem mesmo Vítor. E o time para a estreia teria uma baixa: Cerezzo estava suspenso por expulsão nas Eliminatórias. Quem jogaria?

Os 22: Valdir Peres, Oscar, Edinho, Luisinho, Cerezzo, Júnior, Renato, Sócrates, Leandro, Juninho e Carlos.
Edevaldo, Zico, P.Isidoro, Batista, Serginho, P.Sérgio, Dirceu, Éder, Careca (que seria cortado) e Pedrinho.

A Copa do Mundo teria, pela primeira vez, 24 seleções e um regulamento que só valeu para esta edição. Os 12 classificados nos 6 grupos seriam redivididos em 4 grupos de 3. O primeiro de cada um destes triangulares passaria às semifinais. Ouso afirmar que foi a Copa do Mundo de melhor índice técnico de todos os tempos, tamanha a quantidade de boas seleções: a campeã de 78 Argentina, agora com Maradona e Ramón Diaz, Alemanha (daquela galera toda), Itália de Zoff, Scirea, Cabrini, Conti e Antognoni, Polônia de Boniek, Lato e Szmuda, Bélgica de Pfaff, Ceulemans, Van der Elst e Van der Eycken, Inglaterra de Robson, Francis e Barnes, França de Platini, Giresse, Tigana, Trésor, Áustria de Prohaska, Krankl, Schachner e Pezzey, o Peru de Uribe, Barbadillo e Cueto e a anfitriã Espanha que, mesmo sem um grande time, tinha Juanito, Lopez-Ufarte e o veterano Quini. Seria a maior de todas as Copas.
A vida do Brasil não seria fácil: URSS de Rinat Dassaev - o melhor do goleiro do mundo - e Oleg Blokhin. A Escócia de Kenny Dalglish e Graeme Souness. A estreante Nova Zelândia não assustava com seus jogadores semi-profissionais. Sevilha, na Andaluzia, era a sede brasileira.

Telê decidiu escalar a experiência de Dirceu no lugar de Cerezzo para a estreia contra os soviéticos. Falcão foi recuado como volante. Sócrates na saída de bola. Dirceu, canhoto, estava "torto" na direita. E o Brasil teve boas chances com Zico e Júnior, defendidas por Dassaev e outra que Serginho isolou. Aí, Bal, volante soviético, experimentou da intermediária. O "absoluto" Valdir Peres tomou um dos maiores frangos da história das Copas. Logo depois, o "absoluto" Luisinho tomou um drible da vaca do atacante Shengelia e o derrubou dentro da área. Pênalty! Era evidente seu nervosismo e insegurança. E para surpresa de todos, o árbitro espanhol não marcou e ainda deu cartão amarelo ao soviético!!! Segundo tempo. Paulo Isidoro no lugar de Dirceu. E o Brasil tomou conta do jogo. A aflição seguiu até os 10 minutos finais, período em que Sócrates e Éder viraram o jogo com gols em chutes de fora de área que se Dassaev os tivesse defendido, teria cometido um crime contra o futebol. No primeiro, ele se esticou todo. No segundo, nem esboçou reação. Obras-primas. 2x1! Alívio mas as dúvidas começaram: oportunidade para Paulo Sérgio no gol? Luisinho continuaria inseguro? Edinho seria melhor? E o desajeitado Serginho Chulapa? Dinamite neles? Pelo menos, Cerezzo voltaria e os titulares foram prestigiados ao segundo jogo.

Éder acaba de virar o jogo! Vencemos Dassaev...
A Escócia também saiu na frente. O chute do lateral-direito Narey foi indefensável para Valdir Peres. Nova angústia. Só que dessa vez, não foi necessário esperar pelo segundo tempo. No finzinho do primeiro, Zico bateu falta "com a mão". A bola chegou a resvalar o travessão e o goleiro Rough apenas torcia. Magistral. O segundo tempo foi um desfile do Brasil com gols de Oscar de cabeça, Éder genial por cobertura e Falcão da entrada da área. Show e goleada: 4x1. A volta de Cerezzo e o novo posicionamento de Falcão deram nova alma ao Brasil. Com a classificação garantida, a Nova Zelândia foi um sparring mas levada a sério com 2 gols de Zico - um espetacular de voleio - em jogadas idênticas de Leandro, e ainda Serginho e Falcão, este último, com a bola passando de primeira por vários brasileiros até a conclusão final. Obra de arte: 4x0.

A bola de Zico viaja! Rough, meio encoberto pela barreira, apenas torce. Não adiantou...
Zico, de voleio, na Nova Zelândia: obra de arte!
Cair em um triangular final com Argentina e Itália não parecia difícil para o time de melhor futebol na fase de grupos. Era o que pregava a imprensa e torcedores de todo o mundo. Exceto pela tradição da rivalidade, estavam certos. A Argentina, derrotada pela Bélgica na abertura da Copa, venceu Hungria e El Salvador sem brilho e a Itália... bem, a Itália só se classificou porque havia marcado 1 gol a mais do que Camarões, após empates medíocres contra Polônia e Peru. O terceiro empate, agora contra Camarões, só não foi transformado em derrota porque os africanos tiveram um gol legítimo anulado. A sempre passional imprensa esportiva italiana não poupava críticas e o técnico Enzo Bearzot comandou um boicote, sem entrevistas e imagens da Azzurra. Um clima péssimo! O acanhado Estádio Sarriá, do Espanyol de Barcelona, seria o palco do triangular entre 3 campeões do mundo!

Surpreendentemente, a Itália bateu a Argentina por 2x1, jogando futebol competitivo. Maradona decepcionava mas sofreu desleal  marcação de Gentile (a mesma que faria em Zico). Os campeões de 78 tinham que vencer o Brasil por boa margem de gols só que a atuação da seleção brasileira nesta partida beirou a perfeição! Valdir Peres fez defesa espetacular em cabeceio de Passarella e os jogadores deram aula de toque de bola, roubadas sem falta, dribles, lançamentos e, claro, gols belíssimos! Éder bateu uma falta da intermediária que a bola fez "não-sei-quantas-curvas" para explodir no travessão de Fillol e antes que o goleiro achasse a bola, Zico chegou como um raio (felizmente antes de Serginho) e mandou para as redes. No segundo, Falcão recebeu passe alienígena de Zico, entrou na área e botou "com a mão" na cabeça de Serginho. No terceiro, após genial troca de passes, Zico enfiou rasteiro por trás da defesa portenha e deixou Júnior na frente de Fillol. Ramón Diaz ainda diminuiu, Maradona agrediu Batista e foi expulso. 3x1 acabou ficando barato e um empate contra a Itália colocaria o Brasil nas semifinais.

Zico sai para comemorar! Fillol, finalmente, encontra a bola...
Maradona agride Batista! A glória, somente 4 anos mais tarde...
Festa brasileira! Show na Argentina! O último!
A Itália possuía bons jogadores mas nenhum craque excepcional. Zoff (já com 40 anos), Scirea, Cabrini, Antognoni e Conti eram seus melhores representantes. Comandados por Gentile, Oriali e Marini se revezavam nas faltas. Tardelli, um volante de boa técnica mas cuja prioridade sempre era a marcação. Graziani, um trombador no ataque, um Serginho piorado. Paolo Rossi, que foi a revelação da Copa de 78, havia ficado quase 2 anos sem jogar, condenado pela justiça italiana no famoso escândalo do tottocalcio, a loteria esportiva esportiva de lá, por arranjar resultados. Voltou para a Copa e até então, em 4 jogos, não havia nem tocado na bola. Totalmente nulo. Então... desculpem, mas a história deste jogo não será contada. Não sou masoquista. Vamos aos "finalmentes"!

Muitos podem ter sido os motivos pelos quais o Brasil não tenha vencido (ou empatado) uma partida da qual era franco favorito. Afinal de quem foi a culpa?
Leandro era sobrecarregado no lado direito pois não havia ponta?
A Itália foi o único time que soube aproveitar erros individuais e coletivos do Brasil? Ou o futuro artilheiro da Copa de 82, Paolo Rossi, era o "Craque Adormecido" que despertou após um beijo (ui) de Bearzot?
A culpa foi do Cerezzo? Ou do Júnior que ficou levantando o braço pedindo impedimento de Rossi no terceiro gol, quando ele mesmo lhe dava condição de jogo? (Confere Gilberto Fraga?)
Foi o Telê, que manteve Valdir Peres, Luisinho, Serginho, sem escalar Paulo Sérgio, Edinho e Dinamite e nem convocou Adílio, Andrade e Mário Sérgio?
Foi Serginho que tirou um gol que Zico poderia ter marcado na frente de Zoff?
Foi o árbritro israelense Klein que não marcou pênalti de Gentile em Zico, chegando a rasgar-lhe a camisa?
Foi Zoff , que defendeu em cima da linha um cabeceio de Oscar no fim do jogo?
Foi a conjunção de saturno e júpiter na casa de câncer, em oposição à fase minguante da lua?
Ou simplesmente a Itália tinha time superior e este blogueiro escreveu um monte de baboseiras?

Os artistas do Brasil acabaram derrotados pelos, digamos assim, antagonistas do futebol-arte! Cabrini afirmou, após o jogo, que Itália e Brasil poderiam jogar 10 vezes e os brasileiros venceriam 9 destas partidas, menos aquela. Maldita estatística que nada adianta no futebol, exceto para dizer quantas vezes a bola entra no gol de um e de outro time.

José Carlos, símbolo da tristeza,
30 anos depois, em 2012!
Nos meus 15 anos completados durante a Copa, sofri muito com esta derrota. Tanto quanto o José Carlos, imortalizado como símbolo da tristeza. Só que ele saiu na capa do Jornal da Tarde, de São Paulo. Eu chorei em casa mesmo! Passados 32 anos, este sentimento de tristeza com o fim do que foi futebol-arte ainda me aterroriza pois já comemorei a conquista do tetra em 1994 e do penta em 2002, com o mesmo futebol pragmático e de resultados que a Itália implantou em 1982. Por mais que tivéssemos Romário, Bebeto, Ronaldo e Rivaldo, as seleções campeãs destes anos não tinham o mesmo talento da de 82, a mais brilhante desde 1970. E é triste comprovar como o futebol atual virou um grande emaranhado de planos táticos, de marcação cerrada, de "armadilhas", de "nós", de contra-ataques, de jogar por uma bola, de antijogo. Desculpem tiffosi, mas a vitória de sua seleção em 82 contribuiu demais para a involução do futebol.

Uma peça dramática com final infeliz ou desastrosa. É assim que Houiass define o vocábulo "tragédia". Pra nós, brasileiros que amamos futebol, a Tragédia do Sarriá, estádio que, felizmente, não existe mais, derrubado para que um condomínio de luxo fosse erguido.

Será que colocaram uma lápide por lá com a inscrição "RIP Futebol-arte - 5 de julho de 1982" ???

Abaixo, a mais emocionante homenagem que já encontrei no YouTube! Foi algum inglês que conseguiu harmonizar música de fundo e narrações originais de Luciano do Valle com o futebol do Brasil de 1982. Imagens inesquecíveis!


 E com o fim da série "Pena! Não Ganharam!", o espaço deste blog será integralmente dedicado à Copa do Mundo de 2014, aqui mesmo no Brasil. Sem política, sem superfaturamentos, sem roubalheira. Mas com muito futebol!

5 comentários:

  1. Osmar, valeu pela triste recordação... Se não estou enganado, no dia do amistoso Brasil e Alemanha foi realizado em Jacarepaguá o Grande Prêmio de Fórmula 1. Eu fui com meu pai neste jogo. Maracanã lotado e o "Mengão" arrebentando em campo. Outro detalhe sobre a Copa de 82 que poucos sabem e você muito bem perguntou, foi o fato de que o Roberto sequer entrou em campo. Ele não podia!! Com aquela confusão do desfalque do Careca de última hora a CBF perdeu o prazo para inscrição do atacante cruzmaltino. Ele viajou com a delegação mas não poderia ter jogado. Daí a explicação por termos aturado o Serginho o tempo todo. Parece absurdo mas é a verdade. Uma pena!!! Também sofri com esta derrota. Tinha 13 anos e respirava futebol... Até hoje me incomoda rever os lances desse jogo. Apesar de ser rubro-negro acho que o nosso querido Leovegildo falhou muito. Não apenas no terceiro mas no primeiro também. Um grande abraço para todos.

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    1. Informação RELEVANTE sobre o Dinamite!!! Contribuição definitiva para este post!!! Grande abraço, Edu!

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  2. O jogo Brasil 3 x 1 Alemanha oriental em 1982 antes da copa não foi em Fortaleza e sim em Natal, no antigo estádio Castelão

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  3. Esqueceu de citar o quarto gol da Itália, legítimo e erradamente anulado pelo bandeirinha. Esqueceu de citar, também, que o futebol-arte distribuiu porrada nos italianos nos 15 minutos finais (a câmera Globo deixou de passar os replays das faltas). Mas foi obrigada a passar a última falta, quando Cerezo chuta a cara de Antognoni.

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